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Investimentos em startups no Brasil: um panorama do 1º trimestre de 2023Investimentos em startups no Brasil: um panorama do 1º trimestre de 2023

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Publicado em 01/06/2023, Por MIT Technology Review

Os investimentos de capital de risco tiveram uma queda acentuada no primeiro trimestre de 2023, tanto no Brasil quanto no mundo. A nível global, os investimentos em venture capital atingiram US$ 76 bilhões, uma queda de 53% em relação ao primeiro trimestre de 2022. Mesmo contabilizando duas grandes transações: o investimento de US$ 10 bilhões na OpenAI, feito pela Microsoft, e uma rodada de US$ 6,5 bilhões para a gigante fintech Stripe.  

Os números do Brasil seguiram a tendencia global. No primeiro trimestre de 2023, houve uma queda de 86% no volume total de investimentos em startups brasileiras em comparação com o mesmo período do ano passado. Durante os primeiros três meses deste ano, foram registrados aportes no valor de US$ 247,02 milhões, em 91 rodadas, enquanto no mesmo período de 2022 foram captados US$ 1,7 bilhão, em 306 rodadas. Essas informações foram divulgadas no Inside Venture Capital Report da Distrito, relatório que monitora a atuação de fundos de investimento em empresas de tecnologia no Brasil. 

Novamente, foram as fintechs que angariaram o maior volume de investimentos e o maior número de rodadas, com um total de US$ 112 milhões e 28% das rodadas, respectivamente. O setor de Supply Chain ficou na segunda posição, com US$ 51,1 milhões, impulsionado pela rodada de investimentos na Daki, que sozinha captou US$ 50 milhões em fevereiro. O setor de Energytech ficou em terceiro lugar, com US$ 48,6 milhões. 

O aumento da inflação e da taxa de juros global afetaram diretamente os investimentos em venture capital.  Além do fato de que há uma expectativa de desaceleração da economia mundial, junto com fatores geopolíticos que pioram o humor do mercado, o aumento dos juros afeta diretamente o valuation de empresas de tecnologia. Vale lembrar que as startups têm uma parcela relevante de seu valor atribuído ao longo prazo, portanto uma mudança nos juros pode afetar significativamente o crescimento da empresa.   

Os números da América Latina como um todo são parecidos com os do Brasil. De acordo com dados recém divulgados pela Crunchbase, o primeiro trimestre de 2023 apresentou uma queda de 84% comparado ao mesmo período do ano passado. Fundos que movimentaram o setor nos últimos anos, como Softbank Latin America, Tiger Global e o brasileiro Kaszek diminuíram consideravelmente o ritmo e, pelo menos no primeiro trimestre, não vimos nenhum aporte ultrapassar a marca dos U$ 100 milhões por aqui. Também não vimos nenhum IPO de tecnologia nesse começo de ano.  

A queda foi mais acentuada no late stage do que no early stage, mas é preciso lembrar que a comparação está sendo feita com um pico muito alto. Essa queda fica bem menos assustadora se voltarmos um pouco mais no tempo, antes do boom de 2021, como podemos observar no gráfico abaixo.  Na verdade, muitos especialistas afirmam que o ano atípico foi 2021 – e que o que estamos vendo foi um ajuste no volume de investimentos, número de transações e valuation no ano de 2022. O que se espera para 2023 é uma manutenção a novos níveis, que, por sua vez, serão mais similares ao histórico do que a 2021. Vale lembrar que, em 2021, vimos um recorde de U$ 671 bilhões sendo investidos em mais de 38.000 transações. Para fins de comparação, em 2020 (que também foi um bom ano para o mundo de venture capital), o volume investido foi cerca de metade.  

Ou seja: ao que tudo indica, o pior momento no mundo de tecnologia parece mesmo ter passado. Sabemos que nosso mercado tende a seguir o que ocorre nos Estados Unidos, e, quando olhamos para os números de lá, relativos ao primeiro trimestre, as conclusões são mais animadoras. Se quebrarmos o período em seus respectivos meses, janeiro e fevereiro foram os piores meses em anos para o mercado de venture capital. No entanto, em março, os números foram muito melhores. O volume mensal foi o mais alto desde outubro de 2022, o que pode indicar uma retomada e reversão nos níveis de investimento. Claro que uma ocorrência não é suficiente para afirmarmos que é tendencia. No entanto, os sinais são positivos.   

Ainda no primeiro trimestre, diversas gestoras levantaram novos fundos focados em tecnologia. Lá fora, vimos o Canaan, ThomaBravo, e Accel KKR. Por aqui, a própria Kaszek Ventures anunciou recentemente que levantou quase 1 bilhão para dois novos fundos: U$ 540 milhões para um fundo de early stage e U$ 435 milhões para estágios posteriores.  

Num cenário que pode ser lido como cautelosamente otimista, e levando em conta que já sabíamos que 2023 seria um de manutenção, é possível dizer com base nos dados disponíveis que ainda há muito dry powder no mercado, o que é relevante para indústria como um todo, pois indica que transações irão ocorrer.  

Runway & burn rate  

Agora que já está claro que a empolgação pós pandêmica passou e que 2021 foi um ano fora da curva, um assunto que tem estado na pauta de muitas empresas é como esticar o runway, ou seja, como fazer durar um pouco mais os valores já captados. Isso implica em diminuir o burn rate, ou a velocidade com que os recursos são gastos. As demissões que temos acompanhado entram nessa estratégia, assim como a opção de manter parte ou a totalidade da equipe em home office.

Outra estratégia que parece estar sendo adotada por um número significativo de fundadores, e que pode ser comprovada pelas recentes perdas da própria Google, é a diminuição dos gastos com marketing. O ano de 2022 foi o primeiro desde 2014 em que a quota de mercado de publicidade da Google e da Meta caiu abaixo dos 50%, fechando o ano em 48,4%. A estimativa para 2023 é de que fique em torno de 44,9%, mas pode ser ainda pior com o crescimento acelerado de Inteligências Artificiais como o ChatGPT. De concreto, sabemos que Amazon, TikTok e serviços de streaming como o Netflix continuam a aumentar sua presença e sua renda com anúncios, enquanto as pessoas estão gastando cada vez menos tempo (e dinheiro) em sites como Google e Meta.  

Em um cenário em que o capital é mais escasso, podemos afirmar que a retórica mudou. O que era antes “crescimento a qualquer custo”, virou “crescimento com controle e rentabilidade”. Ou seja, fundadores estão sim mais cautelosos em seus gastos, e todos buscam o tão sonhado breakeven — o momento de equilíbrio, quando custos e despesas operacionais se igualam à receita. 

Para empresas que não têm mais como esticar ou gastar mais devagar seus recursos, a opção é encontrar novas maneiras de se capitalizar, o que nos leva aos próximos dois assuntos: Venture Debt e M&A.  

Venture debt  

Apontada como a saída mais simples para contornar excesso de cautela do mercado atual, a captação via dívida não é exatamente uma novidade. Quem acompanhou de perto a história do Spotify, por exemplo, sabe que em março de 2016 a plataforma levantou $1 bilhão em financiamento por venture debt, com um desconto de 20% nas ações assim que o IPO fosse feito. Acordos similares foram feitos por outras Big Techs ao longo de suas trajetórias, como Airbnb, Uber e até o próprio Facebook.  

De acordo com o já mencionado relatório da Distrito, as captações via venture debt no Brasil começaram a aumentar em 2018, quando o Brasil Venture Debt iniciou a captação de um fundo de R$ 140 milhões com a ajuda do BNDES. A modalidade se popularizou ainda mais em 2021, quando ganhou nova regulamentação, incluindo normas mais flexíveis do que outros títulos de crédito, como as debêntures. 

Em 2022, por exemplo, o Itaú BBA anunciou a criação de um fundo de venture debt com R$ 300 milhões para emprestar a startups brasileiras, dos quais R$ 150 milhões foram quase que imediatamente alocados, em cheques que variam entre R$ 5 e R$ 30 milhões.  

O relatório do Sling Hub + Itaú BBA de março sobre o mercado das startups na América Latina confirma essa tendência, apontando o Venture Debt como o modelo de financiamento mais adotado no período, rendendo ao todo U$ 142 milhões. Das startups brasileiras que receberam os maiores aportes via venture debt estão a autotech Mecanizou, que recebeu R$ 14 milhões, e a foodtech Better Drinks (Praya, Baermate, Vivant), que levantou R$ 12 milhões.  

Uma prova de que essa tendência veio para ficar foi a The Venture Debt Conference, que aconteceu em Nova York no final de março. Os comentários que circulam no mercado dão conta de que o sentimento predominante dos palestrantes é que a demanda por esse tipo de negócio está aumentando a cada dia, uma vez que o ecossistema precisa de credores com mais experiência e lastro. Da mesma maneira, as exigências para quem está precisando do investimento também são altas.  

Dentre as vantagens de acessar investimentos via dívida está o fato de que esse método não acarreta na diluição da participação dos fundadores, já que se trata de uma forma de empréstimo com juros e prazos definidos, não uma venda de participação na empresa. O venture debt também tende a ser uma solução mais rápida, uma vez que o processo de due diligence é mais simples. Pode-se argumentar também que a pressão para crescer rapidamente diminui, pelos mesmos motivos.  

Em contrapartida, uma dívida é uma dívida e requer cautelas extras. Há de se considerar, os juros, além do risco de inadimplência e seus desdobramentos. Pode-se argumentar também que ao optar por essa forma de financiamento uma startup queima um cartucho importante, que não deveria ser usado como primeira opção.  

Tudo isso levado em conta, a tendência é que esse seja um tipo de transação cada vez mais comum, tanto por aqui quanto nos outros mercados. Segundo o relatório da Distrito, foram firmados 8 deals de venture debt no Brasil nesse primeiro trimestre, levantando U$ 317 milhões.  

M&A 

Uma surpresa positiva desse primeiro trimestre foi o número de fusões e aquisições no mercado nacional: foram 32, segundo o relatório da Distrito. Uma queda de 55% com relação ao ano passado, mas uma queda bem menos acentuada se compararmos com as outras operações de VC. Se olharmos apenas para o último trimestre de 2022, a tendência inclusive é de estabilidade. O relatório do Sling Hub + Itaú BBA de março sobre o mercado das startups na América Latina confirma essa tendência, relatando 30 deals no último mês, uma queda de apenas 21% se comparada ao mesmo período do ano passado, que bateu recordes de fusões e aquisições.  

A tendência é global e são justamente as techs que estão liderando esse tipo de transação. Um relatório recente da EY constatou que 72% dos CEOs de tech entrevistados planejam realizar fusões e aquisições nos próximos 12 meses, em comparação com 59% dos CEOs de todos os setores econômicos. 

Olhando para frente 

Fica obvio que o nível de investimento em tecnologia que vimos em 2021 era insustentável. Estamos passando por um momento de ajuste em todos os âmbitos. Mas fato é que o médio e o longo prazo são promissores. A tecnologia na América Latina continuará crescendo e se desenvolvendo – boas empresas continuarão sendo criadas e há ainda muita inovação a ser vista por aqui!  

(FOTO: ARQUIVO RÁDIO MEGA)